sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A História de uma Mulher que Desafio o Islã, de Ayaan Hirsi Ali.

Infiel: 
A História de uma Mulher que Desafio o Islã, de Ayaan Hirsi Ali. Editora Companhia das Letras.




É o único da lista que não foi escrito por um jornalista, mas o livro da autora é digno de um trabalho de um. Ayaan nasceu na Somália, em uma família muçulmana e morou em muitos países devido a posição política do pai, contrário ao regime ditador somali de Siade Barré. Ela conta como desafiou as leis do islã, até se tornar parlamentar na Holanda. Histórias de crueldade como uma circuncisão feminina aos cinco anos de idade e espaçamentos na juventude, são narrados neste excelente livro.


Ayaan conta a história da sua infância um mundo onde a mulher é totalmente subordinada ao homem; onde a sua virgindade é garantida com a faca através da mutilação ; onde é obrigada a casar com um homem escolhido pelo pai; onde uma palavra ou um olhar trocado com um homem que não seja pai ou irmão, pode trazer a pena de morte. Um mundo onde a mulher violada é castigada e não o violador. Um mundo onde as mulheres, desde uma tenra idade, terão que tapar o rosto e o resto do corpo, para não provocar os (aparentemente) incontroláveis apetites dos homens. Um mundo em que aprender os dogmas do Islão consiste em decorar o Alcorão em Árabe, muitas vezes sem conhecer essa língua. Um mundo em que uma das doutrinas decoradas é do direito do marido de bater na mulher.


Foi esse o mundo em que Ayaan cresceu. Ela conta tudo, com uma candura quase compulsiva, não omitindo nada. Conta os horrores, mas também as benesses, Lembra-se da tirania da família e do clã, mas também da solidariedade e generosidade deles em tempos difíceis. Fala da ternura dentro da família, ternura que, apesar, da crueldade, também existia. Fala, sobretudo do pai que adorava, e que relativamente ao obscurantismo generalizado na Somália, era um homem moderno e esclarecido, e que queria que a filha tivesse acesso ao ensino. Ele não concordava com a mutilação genital das raparigas mas a avó, na ausência dele, obrigou a mãe a cumprir com a tradição. Tanto a Ayaan como a irmã foram excisadas, com consequências lamentáveis para a irmã. O pai era um político perseguido pelo regime de Siad Barré em que Ayaan cresceu, e muitas vezes ausente do lar, ou fugido ou na prisão. Dele ela recebeu os primeiros exemplos de militantismo político e uma certa introdução à política. No entanto o modernismo do pai era muito relativo e foi ele que, mais tarde, obrigou-a a casar e provocou a fuga da Ayaan de África.



A política repressiva de um comunismo africano na Somália seguido por mais de uma guerra civil, a fuga dela com os irmãos e a mãe para a Arábia Saudita, e mais tarde para a Etiópia e o Quénia, forneceram oportunidades para conhecer outros povos e outros costumes e, sobretudo, de comparar a vida dos muçulmanos com a dos povos cristãos. Como Ayaan, desde pequena infância fora um ser cheio de curiosidade, todas as experiências a fizeram reflectir. Observava, apontava na memória e reflectia. Observou a terrível animosidade e ódios entre os diversos grupos e clãs, o não menos intenso desprezo de todos os somalis para com os etíopes e os quenianos. Por estes não serem muçulmanos? Só em parte, porque o desprezo e o ódio aos árabes, especialmente os de Meca onde Ayaan e a família se refugiaram durante algum tempo, são constantemente expressos pela mãe, muito consciente do seu estatuto social entre os somalis.

A autora tem o dom de narrar os pormenores da vida quotidiana com a mesma objectividade que dedica aos grandes acontecimentos das fugas como refugiada de um país africano, para outro, as mudanças de uma escola e uma língua para outras. Conta sem inibição a sua conversão para o islamismo militante da irmandade muçulmana e o curto percurso pelo fundamentalismo. Tapou a cara e o corpo, dedicou-se aos estudos corânicos, ansiosa para uma vida espiritual e uma orientação ética certa e coerente. A sede da Ayaan lembra as crises espirituais das adolescentes cristãs atraídas para a vida religiosa. Ela descreve o seu combate com a fé e a tradição com tal vivacidade que o leitor esquece a sua própria cultura e consegue identificar-se com a jovem muçulmana.

É esta identificação provocada pela autora o grande mérito do livro. Quando foge do casamento imposto e finalmente chega à Holanda, continuamos a partilhar as reacções da Ayaan face ao novo mundo livre que ela encontra. Partilhamos o seu espanto perante a ordem e a civilidade das pessoas, a gentileza de gente desconhecida, a pontualidade e limpeza dos transportes, o facto que tudo funciona, depois da anarquia, desordem e arbitrariedade da vida que ela conhecia em África.

Afinal, o percurso da Ayaan é o percurso da vida fechada, a closed society, da vida tribal para a sociedade aberta da democracia liberal do mundo industrializado. Muitos imigrantes têm essa oportunidade mas a maioria não tem nem a inteligência nem a curiosidade da Ayaan e acabam por recusá-la, e alguns por tentar destrui-la. Ela passa maus momentos na Holanda e também triunfos, do estatuto de refugiada ao de cidadã e deputada no Parlamento holandês. Trabalha em vários ofícios desde operária fabril a mulher de limpeza e a intérprete. Tem ampla oportunidade para observar os outros refugiados da sua terra, sobretudo as mulheres, e verifica que a grande maioria fica no gueto, fechadas na concha criada pela sua religião. E chega à conclusão de que é a política do multiculturalismo da esquerda europeia que reforça os mais retrógrados aspectos do islão. A jovem africana recusa a concha. Trabalha e estuda, estuda e trabalha. Conhece e convive com os holandeses. Consegue com imenso esforço superar todas as dificuldades e acaba por entrar na melhor universidade do país para estudar Ciências Políticas. Está determinada a conhecer a razão de ser deste mundo novo. Quer saber como os europeus conseguiram sair do obscurantismo. Quer estudar a Idade das Luzes e os filósofos. Quer saber o que é o liberalismo.

Sobretudo Ayaan quer falar em nome da mulher muçulmana, quer denunciar a sua situação de oprimida. Ao pôr em prática o que sente ser a sua vocação Ayaan torna-se um alvo a abater. Theo Van Gogh, o produtor de um filme escrito por ela sobre a sujeição da mulher muçulmana, é assassinado e ela ameaçada de morte. É empurrada para a clandestinidade na livre Holanda e finalmente para fora do país. O livro acaba com a chegada da Ayaan nos Estados Unidos, país que ela, em África, tinha odiado como opressor imperialista.

A autobiografia de Ayaan Hirsi Ali é um case study da problemática de toda uma geração de jovens muçulmanos confrontados com a contradição entre dois mundos: o mundo da liberdade e o mundo da servidão. A autora é uma verdadeira heroína dos nossos tempos. A sua autobiografia devia ser lida por todos os adolescentes perplexos perante o mundo moderno e todos os adultos confusos com os lugares comuns do multiculturalismo.




Eu fiquei muito emocionada com a história de Ayaan,
Todas as mulheres tem que  conhecer sua  autobiografia.
"Aline"

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